Adorava últimos dias de coisas em geral: de aula, de
emprego, não importava. Sentia uma incrível sensação de liberdade, pois o final sempre
trazia com ele a promessa de fazer novas todas as coisas. Só não gostava do último dia do ano. Aliás, o
mês de dezembro inteiro já corria meio arrastado, pesaroso, cheio de juras não
cumpridas, projetos inacabados e o mesmo corte de cabelo. Em dezembro sentia o tempo escorrer pelos
dedos. Sentia-se mortal, mais do que nunca. E mesmo que não houvesse trânsito,
sentia sua locomoção limitada e uma falta de circulação no ar.
Nas redes sociais e nas conversas retóricas, a quantidade de
gente que comemorava o ano bom e fazia votos de que o próximo fosse ainda
melhor lhe causava náuseas. Não que fosse descrente da vida, mas não se
lembrava de ter visto tantos sucessos partilhados no virar das páginas do
calendário. Só se lembrava de como aquele tinha sido um ano que em muito havia se esquivado
das resoluções feitas no último janeiro e que, silenciosamente, a
ofendia com a ocorrência de algum fracasso mês ou outro, que, naquela hora, não
competiam de igual para igual com os tantos outros momentos felizes.
Enquanto caminhava pela faixa de pedestres, imaginava todas
as promessas que aquelas pessoas estariam fazendo para começar o ano. Alguns
iriam para a academia, outros achariam o grande amor, outros retomariam os
estudos, e alguns teriam filhos. Em algum dia do passado também fizera o mesmo.
Quando chegou ao canteiro central da avenida, ao esperar que
o sinal se fechasse novamente para que terminasse a travessia, viu que ali,
embaixo da árvore do canteiro, um casal de moradores de rua descansava. A expressão
facial deles não condenava nenhuma mentalização de promessas. Ao lado deles, um
carrinho de bebê, todo surrado, aconchegava um cachorro, que certamente não sabia
que no dia seguinte seria ano novo. Talvez se assustasse com os fogos à meia
noite, mas só.
Chegou ao outro lado da rua, pegou o celular e ligou para o
cabeleireiro que a amiga havia sugerido ainda no carnaval. Para hoje ele não tinha
mais horário, mas deixou agendado para o primeiro sábado da semana seguinte; no
ano seguinte. Entrou na farmácia e comprou um esmalte de uma cor que jamais
havia usado antes. Mesmo assim, não fez nenhuma promessa para ter que se
lembrar depois que o sol voltasse a nascer. Só queria que aquele fosse mais um
dia comum, com suas vinte e quatro horas.