segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A menininha não-ruiva


Gostava de andar na chuva e tinha resistência em pintar as unhas de vermelho. Quando não tinha ninguém olhando, raspava o fundo do pote de iogurte com o dedo e se pegava sorrindo quando via alguma criança ruiva e sardenta na rua. Naquele dia pegou um ônibus lotado e, quando conseguiu se sentar, a primeira coisa que fez foi comer um chocolate. Não fez muitas reflexões durante o trajeto.

Quando chegou a hora de descer e saltou do coletivo, o sorriso de uma menininha (não era ruiva, nem sardenta, só esperava a mãe no portão de casa) a recebeu com um “oi”, que ela fez questão de retribuir na mesma efusividade. A menina quis continuar:

- Pensei que você fosse a minha mãe.
- Não, não sou sua mãe, mas bem que eu queria. Você é uma filha bonita.
- E você, não tem filha?
- Não, não tenho.
- Só marido?
- Nem marido.

Nessa hora, se entreolharam. A menina como que se lamentando, ela como que pedindo perdão. E pela primeira vez, se deu conta de que a vida também estava passando para ela.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Um texto para o Wendell*


Perdoe-me se cair a noite e a lua não me inspirar nenhuma poesia
Se os nossos acasos não se materializarem em nenhuma prosa
Se as nossas intenções não originarem nenhum conto
Se os nossos momentos não se eternizarem em fotografias

É que, quando contigo, extrapolo:
impossível medir em rimas,
impossível estruturar em parágrafos,
impossível elaborar um enredo central,
impossível caber no enquadramento,
pois a impossibilidade é tua também.

Quando contigo, sou muitas
Mais Minas, mais montanha,
Mais vereda, mais sertão
Subo mais Bahia, desço mais Floresta,
com os muitos de você que vem.

Um trovador desavisado, certamente faria de nós cantiga
Mas nem a cantiga saberia dizer-nos:
pois somos assim, um par impar,
de aqui, para além.

*ou "Como ser brega-romântica sem que isso seja uma cantada ou uma declaração de amor"