segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Feliz ano novo


Adorava últimos dias de coisas em geral: de aula, de emprego, não importava. Sentia uma incrível sensação de liberdade, pois o final sempre trazia com ele a promessa de fazer novas todas as coisas.  Só não gostava do último dia do ano. Aliás, o mês de dezembro inteiro já corria meio arrastado, pesaroso, cheio de juras não cumpridas, projetos inacabados e o mesmo corte de cabelo.  Em dezembro sentia o tempo escorrer pelos dedos. Sentia-se mortal, mais do que nunca. E mesmo que não houvesse trânsito, sentia sua locomoção limitada e uma falta de circulação no ar.

Nas redes sociais e nas conversas retóricas, a quantidade de gente que comemorava o ano bom e fazia votos de que o próximo fosse ainda melhor lhe causava náuseas. Não que fosse descrente da vida, mas não se lembrava de ter visto tantos sucessos partilhados no virar das páginas do calendário. Só se lembrava de como aquele tinha sido um ano que em muito havia se esquivado das resoluções feitas no último janeiro e que, silenciosamente, a ofendia com a ocorrência de algum fracasso mês ou outro, que, naquela hora, não competiam de igual para igual com os tantos outros momentos felizes.

Enquanto caminhava pela faixa de pedestres, imaginava todas as promessas que aquelas pessoas estariam fazendo para começar o ano. Alguns iriam para a academia, outros achariam o grande amor, outros retomariam os estudos, e alguns teriam filhos. Em algum dia do passado também fizera o mesmo.

Quando chegou ao canteiro central da avenida, ao esperar que o sinal se fechasse novamente para que terminasse a travessia, viu que ali, embaixo da árvore do canteiro, um casal de moradores de rua descansava. A expressão facial deles não condenava nenhuma mentalização de promessas. Ao lado deles, um carrinho de bebê, todo surrado, aconchegava um cachorro, que certamente não sabia que no dia seguinte seria ano novo. Talvez se assustasse com os fogos à meia noite, mas só.

Chegou ao outro lado da rua, pegou o celular e ligou para o cabeleireiro que a amiga havia sugerido ainda no carnaval. Para hoje ele não tinha mais horário, mas deixou agendado para o primeiro sábado da semana seguinte; no ano seguinte. Entrou na farmácia e comprou um esmalte de uma cor que jamais havia usado antes. Mesmo assim, não fez nenhuma promessa para ter que se lembrar depois que o sol voltasse a nascer. Só queria que aquele fosse mais um dia comum, com suas vinte e quatro horas.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Pesadelo bom*


O despertador tocou livrando-a de um pesadelo com alguém que há muito não via. Acordou sem se lembrar direito do que sonhara, mas com uma sensação de angústia e alguns flashes que mostravam muito choro envolvido por abraços de consolo. 

Misturada à angústia, uma saudade enorme e uma vontade de abraços reais. Vasculhou suas lembranças mais profundas e trouxe-o de volta a memória. Desejou que estivesse bem, mesmo que lhe faltassem os seus consolos. Aliás, desejou que fossem desnecessários.

Enquanto escovava os dentes, rogou uma prece em pensamento e cantarolou mentalmente algumas canções que ele gostava. Foi o suficiente para deixá-la feliz naquela manhã de segunda-feira cinzenta.

Quando fechou a porta atrás de si, levou consigo a certeza de que, caso o sonho tivesse sido dele, todas as sensações seriam iguais. Nesta hora, seu ódio por quilômetros crescia na mesma proporção de sua saudade.

Ou “O dia que senti saudades do Felipe”

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Conversa de mulher no ônibus


- Até que não posso reclamar do meu marido não – suspirou a mulher de meia idade.
- Ano passado, a gente fez 25 anos de casamento e ele me deu essa aliança – pausou a fala e estendeu a mão exibida para a colega sentada ao lado – e, este ano, ele me deu uma máquina de lavar da Brastemp.

A moça do banco de trás, que viajava na companhia de ninguém, meditou por um instante na emoção de ganhar de presente de aniversário de casamento uma máquina de lavar. Não importava se era da Brastemp, chegou à conclusão que o presente não expressava muito romantismo.

Dois pontos depois, a mulher desceu do ônibus, deu 40 passos e entrou em casa. Lavou as roupas sujas em sua Brastemp e tirou o pó da mobília. Quando terminou, sentou-se no sofá da sala e ficou ali o resto da tarde, fazendo parte da decoração.